Começamos aqui a transcrever um texto, dividido em três partes, publicado na revista el poeta y su trabajo (Inverno de 2009) da autoria de Olvido García Valdés. Poeta, ensaísta e tradutora espanhola que nasceu em Santianes de Pravia (Asturias) em 1950. Coeditora da revista poética Los Infolios foi fundadora e membro do conselho editorial de El signo del gorrión. Entre vários dos seus livros poderíamos mencionar La poesía, ese cuerpo estraño (2005) e Y todos estában vivos (2006).

Escrever notas de poética apenas serve para assinalar em que direcção olhamos quando se fala de poesia. Não remete, pois, aos próprios textos – que, além do mais, em parte desconhecemos por excesso de proximidade –, apenas se pretende discernir nessas palavras que nos tenham assombrado ou comovido e que, em prosa ou em verso, chamamos poemas (assim, por exemplo, parecem-me poemas muitas das anotações do Diário de Katerine Mansfield, em especial as que correspondem ao último ano, 1922. São as necessidades dessa escrita e uma rara transparência que dão aos textos uma natureza cristalina e acutilante, onde apenas se chega por despojamento, por se ter de olhar cara a cara os dias que passaram; disfrutados, saboreados sabendo que esse pássaro, essa taça de chá, essa luz, deslizam para o derradeiro. Pois, quem sabe, distingue o poema uma certa atitude na escrita, talvez tenha menos que ver com o verso ou com o ritmo e imagens mas com uma certa atitude no que diz respeito à escrita que o origina; e ao efeito dessa atitude poderia chamar-se tom).
O poema é sempre retrospectivo, mas a dilatação lírica adere à respiração; o pensamento do poema não procede por análise mas por condensação, condensando-se em associações, em ritmos e montagem. Trata-se de um pensamento perceptivo, intuitivo e lacónico, sensorial. (…) A visão que cada poeta tem do mundo toma como base pulsões da infância; as imagens ou motivos que essas pulsões vão ocupando variam com o tempo; o ritmo dessa variação assemelha-se a uma espiral. A arte sabe tudo sobre o corpo do artista, por isso alguns poemas dizem coisas que talvez quem os escreveu não sabia.
O poema, como a paisagem, é um lugar onde nos é permitido falar com os mortos; também aí nos é permitido sentir a dor. Ambos se enredam de duração, o tempo ensimesmado na contemplação da coisa perdida. (…) (No que consiste à emoção, mostra-nos, por vezes, a falta de emoção. Quando ao ouvir ou ler uma frase sentimos que lhe falta emoção, percebemos que essa ausência tem que ver com algo relacionado com o tempo; a falta de emoção segue entrelaçada com alguma falha, ou claridade excessiva, no sentimento do tempo; como se a morte não tivesse impresso a sua marca).
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