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Archive for the ‘Viagens’ Category

PORQUÊ IR À ÍNDIA?

Transcrevemos aqui um pequeno texto de Diana Chiu Baptista, com quem tive o prazer de viajar para a Índia através da Macro Viagens, por apontar características essenciais que façam conhecer o mundo e não somente a aparência do mundo (sejam elas em imagens ou “ondas” sociais). Não nos revemos em todos os aspectos, mas a súmula mostra-se mais importante do que os detalhes. Esperamos que possam usufruir, sem preconceitos.

«O que me move a viajar para a Índia? A Dulce desafiou-me a falar sobre este tema. E isso fez-me refletir. O verbo “ir” sempre fez parte da minha personalidade. Mas não é só isso. É isso e muito mais. A minha primeira vinda à Índia, não foi fácil: foi um murro no estômago. Mas esse murro transformou-se em borboletas na barriga. Não é fácil explicar, é mais fácil vivenciar a Índia…

A Índia é crua, é mundana e espiritual, é a vida como ela é, a céu aberto. Está tudo aqui, é tudo visível, o bom e o mau, não está nada camuflado.

A Índia mexe com as crenças, com a nossa visão da realidade. Abre-nos portas interiores que nem sabíamos que existiam, quanto mais que estavam fechadas.

A Índia é o epicentro espiritual do mundo, onde para além de lugares sagrados, encontramos sabedoria, linhagens, professores vivos.

A Índia é feita de gente que tem uma mente estável e flexível. Isso é visível no dia-a-dia. Basta descermos do nosso pedestal.

A Índia às vezes pode doer, mas é sempre bom visitar lugares que nos assustam, colocarmo-nos voluntariamente em situações desconfortáveis. A procura incessante de conforto de que padecemos no ocidente, conduz-nos invariavelmente ao sofrimento (irónico, não?).

A Índia é o mundo ao contrário. E vira o nosso mundo ao contrário. Pode motivar-nos a praticar, a estudar, a sermos mais éticos e compassivos, a procurar desiludir-nos com o samsara, a querer abandonar este ciclo incessante de renascimentos.

A Índia é uma vaca que entra numa loja, é o trânsito que parece que dança, são as buzinas a avisar “vou passar”, é alguém que se chega para a berma para dar espaço, é uma senhora de 70 anos que veste rosa brilhante com a barriga enrugada e grande orgulhosamente à mostra, é um sorriso aberto de um desconhecido, é um convite, são as famílias que vivem juntas, é um banco de comboio para cinco, é tanto que é difícil enumerar.

Se só pudesse vir a um sítio, vinha sempre à Índia. Aliás, deveria ser obrigatório todos virem à Índia uma vez na vida. Não ao Taj Mahal, não a Goa, não a Rishikesh, não a Jaipur (desculpem). À Índia. À Índia profunda que nos tira o tapete do chão e o substitui por um tapete voador.»

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INDIA – WHO’S TO KNOW

Remembering some moments of the voyage to the most relevant places of the Buda’s path, in India, which took place in October 2022, and was happily shared with an heterogenic and dedicated sangha.

All around the road we saw motorcycle princesses going on their way.

-What’s your name?

-Dennis.

-Where you come from?

-Portugal, southern Europe…

-There are many things to see here!

-We going north, to meet Buda places.

We saw sacred cows at Sanjay colony, a shanty town build by the population in the surroundings of New Delhi.

-My name is Naresh, the guide that leads you into this place.

-Can we take pictures?

-No, here is not permitted.

-Why not?

-This is not a tourist place, we must respect the dwellers.

(The streets were full of people and the smell was overwhelming).

Very often boys walk together with one hand leaning on the shoulder of the other. Or even holding hands can be a sign of their friendship.

-Do you have Camel cigarettes?

-No, only Marlboro…

-Let’s try another place.

-Never mind, I will try tomorrow morning.

-Give me your hand, so you don’t get lost.

(The streets in Varanasi were chaotic, with too many traffic and people moving around).

It was hot and the Ashoka Pilar stand with a smiling lion on is top. Here was accepted the inclusion of nuns in the Buda’s sangha, a poor region as Sanjay that we saw in Delhi, where the cast system is not relevant.

-This is the World Peace Stupa.

-Why it as also statues of the smiling lion?

-Because the Ashoka reign was the golden age of budism in India.

-But this is a Japanese stupa, right?

-Yes, it was built in the sixties, as a memorial of Japan atomic bombing.

(We look at the standing white pagoda rising the intention that similar wars won’t ever happen again in the world).

We were travelling further north when I felt involved by the sound of a Raga played by Shankar in is double violin.

It look like it was coming from the trees and mountains, as well from the heated mist elevating from the ground. And it seems that the pace of the bus carrying us was a tabla performing our hearts throughout an endless floating road.

https://www.youtube.com/watch?v=xrGJdoTNbSs

Above New Dehli’s Central Park several eagles were flying in large circles. We had already seen a considerable amount of monkeys in the garden of the hotel and its surroundings.

-Have you just seen it, there’s a lot of small squirrels in the trees.

-Last night I saw huge bats flying low, near the market.

-There are many street dogs sleeping on the ground or just wandering quietly.

-Just like the goats in the country villages.

-There are not only cows rooming everywhere.

(At Lodi Park a great number of geese stroll together near the lake in a loud array of acute sound).

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30 de Dezembro de 2011

 Mesmo à beira do regresso, seguem as últimas…

Buenos Aires

Navidad porteña

Chegámos a Buenos Aires na véspera de Natal. A partir da tarde, a cidade começou a ficar deserta e a maior parte dos restaurantes estavam fechados (os que permaneciam abertos ofereciam preços bem acima do habitual). Um pouco por toda a parte, ouviam-se os estampidos dos petardos, habituais nestas ocasiões. À meia-noite estalou o fogo-de-artifício. Na manhã de 25, passeámos pelas ruas de Palermo Hollywood sem avistar praticamente ninguém. A dada altura, deparámos com um ajuntamento de polícias em redor de dois homens: um deles era, na verdade, um garoto de aspecto vagamente andrajoso; o outro, um pouco mais velho, tinha o joelho a escorrer sangue. Teria o primeiro atacado o segundo? Ou seriam ambos vítimas? Ou ambos culpados? Discutindo o caso, continuámos a caminhar pelas ruas desertas de Palermo Viejo, confirmando o efeito da paragem natalícia. Só a partir da tarde o movimento aumentou e voltaram a soar as explosões festivas. Nas televisões, os noticiários faziam o balanço: um morto e mais de duzentos feridos em acidentes de pirotecnia.

Colónia de Sacramento

Colónia de Sacramento

Decidimos voltar ao Uruguai para visitar esta pequena cidade fundada pelo português Manuel Lobo e que entrou na posse dos espanhóis no século XVIII. Lá estava o brasão com as quinas no vetusto portão de entrada e, junto a uma igreja, uma escultura de homenagem ao fundador oferecida pelo estado português, datada de 1995. De resto, Colónia é uma estância turística girando em torno do seu centro histórico, o qual é sem dúvida interessante, porém sem chegar a rivalizar com muito do que ainda se pode encontrar em Portugal (a mesma impressão nos havia ficado dos parcos vestígios açorianos na ilha de Santa Catarina). Deste ponto de vista, a singularidade do nosso cantinho sai reforçada…

Buenos Aires

Buenos Aires, fim de jornada

A grande decepção foi mesmo La Boca e o célebre Caminito. As expectativas já eram moderadas, os guias descreviam o local como uma ratoeira para turistas, o que facilmente se comprova pela imensidão de lojas e restaurantes com preços inflacionados, num cenário sobrelotado e envolto pelo cheiro nauseabundo do poluidíssimo Riachuelo. A alternativa mais próxima é o bairro de San Telmo, recheado de alfarrabistas e antiquários. Mas há muitos outros sítios e recantos dignos de nota na capital federal, como a passagem Roverano (hoje algo decadente mas conservando intactos os traços da arquitetura comercial art nouveau), a estatuária sensualista do jardim botânico e até o planetário em forma de disco voador… As livrarias abundam, de facto, embora os livros não estejam propriamente ao preço da chuva: os clássicos de Oesterheld não se adquirem por menos de 20 euros, e o mesmo se pode dizer das ediçõess in memorian de Sábato. Já Cortázar e Arlt parecem mais acessíveis, mas ainda assim será preciso recorrer aos alfarrabistas. Quanto a vinis novos, são um verdadeiro artigo de luxo (entre quarenta e sessenta euros).

Buenos Aires

Nota contabilística

Preço total das viagens de avião (duas pessoas): 4500 euros. Média de gastos diários: oitenta euros por pessoa, perfazendo um total de 3500 euros, incluindo muitos recuerdos e regalos para os amigos. O Perú foi o país mais barato e o Brasil o mais caro.

Texto de Daniel Lopes e fotografias de Ana Magalhães

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23 de Dezembro 2011

Montevideu

Apanhámos o ferry de Buenos Aires para Colónia de Sacramento e, daí, o autocarro para Montevideu. Duas horas e meia através de uma paisagem muito parecida com o Ribatejo, quase plana, muito verde, e bem povoada de gado. Pouco tempo permanecemos na capital do Uruguai. Caminhámos ao longo das Avenidas Colónia e 18 de Julho para logo regressarmos ao inferno do terminal rodoviário de Tres Cruces, onde embarcámos no ónibus para Porto Alegre. Viagem de doze horas e meia, quase sempre nocturna, com Orionte do nosso lado esquerdo (a única constelação que consigo identificar, e que julgava confinada ao hemisfério norte, pelo menos nesta altura do ano…). Paragem para receber alguns passageiros em Punta del Este, a elegante estância balnear uruguaia que acolhe vedetas da novela brasileira mais a Shakira e todo o jet-set latino-americano. Entrámos pouco depois na extensa pampa gaúcha, prolongando o cenário anterior praticamente sem alterações, a não ser algumas palmeiras mais exóticas e os vários braços de água da Lagoa dos Patos.

Porto Alegre

Chegámos à capital do estado federal do Rio Grande do Sul com o solstício de verão, num dia particularmente abrasador (o mais quente do ano, como viemos depois a saber). Instalámo-nos num hotel da zona burguesa de Moinhos de Vento e fomos até ao shopping: ambiente europeizado, cheio de peruas e dondocas, mas com ar condicionado que nos soube muito bem. À noite, num bar da Cidade Baixa, ouvindo o samba e bebendo cerveja na companhia do ilustrador Nik Neves, da estilista Paloma Coronel e outros amigos de ocasião.

Florianópolis e ilha de Santa Catarina (ou a décima ilha dos Açores, como se diz por aqui…)

À primeira vista, a capital do estado federal de Santa Catarina não é assim muito atraente. Só no centro histórico, em torno do edifício do mercado, se descobrem alguns prédios e jardins com traçado mais característico; o resto são caixotes com janelas, construídos sem grande critério e tapando a vista sobre a baía. Boa parte da ilha é atravessada por vias rápidas, mas subsistem alguns locais admiráveis nas zonas ribeirinhas (incluindo junto às duas grandes lagoas do lado oriental). Visitámos as povoações de Santo António de Lisboa e Ribeirão da Ilha, pouco mais que uma fiada de casas em estilo açoriano, e fomos a banhos na Praia Mole, por entre surfistas e golfinhos.

Natal subtropical

A nota mais dissonante é mesmo a do calor, com tudo o que isso implica em termos de vestuário (calções e camisola de alças, ou mesmo tronco nu, no caso dos homens) e exuberância da vegetação circundante (jacarandás, mimosas, flamboyants e outras árvores no auge da floração). De resto, o movimento nas ruas é intenso, as lojas de mercadorias baratas (vindas de Foz do Iguaçú?) estão repletas, muitas delas têm animadores à porta que, munidos de um microfone, vão apregoando as vantagens desta ou daquela promoção. Jingle Bells nos altifalantes, presépios em tamanho natural nos jardins, motoristas de ónibus com o gorro do Papai Noel, shows de mascarados e maratonas evangélicas. Depois do 25, diz-se, tudo ficará mais calmo…

Texto – Daniel Lopes e fotografias de Ana Magalhães

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19 de Dezembro de 2011

Lima

Cidade enorme, irregular, caótica, algo inóspita numa primeira aproximação. Trânsito intenso, criando um ruído de fundo permanente. De vez em quando, um troço de avenida vazio e silencioso, mas apenas porque o cruzamento anterior se encontra bloqueado. E mesmo as ruas mais pequenas parecem entupidas. Para além disto, uma cidade seca, com o céu permanentemente tapado por uma camada branca de estratos. O oceano toma a mesma cor indefinida, as ilhas próximas mal se distinguem por entre a neblina. Nas traseiras do centro histórico, o rio Rímac é outro estreito fluxo de água castanha (como o rio Mapocho), sobrevoado por bandos de urubus. Mais ao fundo, nos morros completamente despidos do distrito de Rímac, a arte de rua personificada num conjunto de casas pintadas com cores agressivas (roxo, laranja e verde), como que desafiando o tom pardacento da cidade ― tendência que verificámos noutros pontos suburbanos. Visitámos a catedral e o convento de Santo Domingo e, no distrito de Miraflores, o sítio arqueológico pré-Inca de Huaca Pucllana. A cerca de trinta quilómetros do centro, numa zona desértica à beira do Pacífico, o vasto recinto das ruínas de Pachacamac mereceu igualmente a nossa atenção de turistas, embora a maior parte das estruturas só pudessem ser apreciadas de longe.

Boring Sudamerika

Pouco depois de nos termos instalado no hotel em Lima, saí para dar uma volta e localizar alguns serviços úteis: descobri um posto dos correios duas portas abaixo e, na esquina seguinte, uma lavandaria; virei à esquerda, andei um quarteirão e entrei num lucotório (um local onde se pode telefonar e aceder à Internet). Aí, consultei o e-mail e vi que tinha uma mensagem de Renso Gonzales, editor do fanzine Carboncito, cujo contacto me fora dado por Martín Lopez com intercessão de Marcos Farrajota (muchas gracias!). Ora, na dita mensagem, Renso avisava-me que estaria até às nove da noite a trabalhar numa livraria que se situava precisamente a dois passos do lucotório onde me encontrava. Saí e fui ter com ele. Em suma, numa cidade tão grande, não foi preciso percorrer mais de duzentos metros para nos encontrarmos. Nessa mesma noite, fomos até ao distrito de Barranco para visitar a feira do colectivo artístico Desenfranquiciados, um evento parecido com a nossa Feira Laica, com muitas exposições de quadros, venda de fanzines e concertos. O movimento era intenso, e os originais de alguns artistas vendiam-se como pãezinhos quentes (em dólares!). Apertei a mão a Amadeo Gonzales (irmão de Renso) e a Samuel Gutierrez Dávila, dito Gutierrez, cuja arte-final laboriosa faz lembrar Jorge Alderete ou João Maio Pinto. Na noite seguinte regressámos ao centro histórico de Lima, para assistir ao lançamento do fanzine Horrible y Divertido, de Amadeo Gonzales, no bar Koca Kinto. Os contactos foram feitos e ficou em aberto a possibilidade de colaborações futuras ― quem sabe, uma continuação do projeto Boring Europa a sul do equador…?

 

Perú político

Vivem-se tempos agitados no Perú. Apercebemo-nos disso pela primeira vez na Plaza de Armas de Cusco, onde vários cartazes escritos à mão alertavam contra a exploração dos recursos naturais (nomeadamente a água) por grandes empresas. Já em Lima, perto da Plaza Mayor, assistimos a um protesto com direito a cobertura mediática, protagonizado por um conjunto de mulheres vestidas com trajes quechua e entoando o mote: El Água es un tesoro que vale más que el oro! No bar Koca Kinto, durante o lançamento do fanzine de Amadeo Gonzales, conversámos acerca disto com Martín Silva, ilustrador peruano a estudar no Rio de Janeiro. Martín falou-nos das várias minas de extração de ouro que a empresa norte-americana Yanacocha/Newmont abriu na zona de Cajamarca (no norte do Perú), e de como este empreendimento tem consumido grande parte da água disponível para a agricultura, para além de ter causado danos no meio natural ― mormente a partir de um célebre derramamento de mercúrio com efeitos nefastos na saúde da população da zona. Situações semelhantes têm acontecido na Amazónia, nomeadamente em Puerto Maldonado. À guisa de indemnização, oferece-se trabalho aos camponeses e centros comerciais e estradas e progresso. Os políticos ligados aos partidos que se alternam no poder relativizam a questão, afirmam que não se pode reduzir o problema a uma simples equação água / ouro (exceto durante as campanhas eleitorais, como fez o então candidato e hoje presidente Ollanta Humala, tomando partido pela água…), e admitem que o projeto de extração mineira possa trazer desenvolvimento ao país, quiçá transformá-lo num novo Brasil… É caso para dizer, lembrando o historiador Fernand Braudel, que assim que decidimos pôr a palavra capitalismo de lado, logo ela regressa para nos assombrar; e para perguntar o que mudou, na verdade, sessenta anos depois da passagem de Che Guevara e Alberto Granado por estas terras…

Texto – Daniel Lopes e Fotografias de Ana Magalhães

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15 de Dezembro de 2011

Eis mais umas impressões de dias passados…

Cumes andinos perto de Moray – Fotografias de Ana Magalhães

Cusco (onde se fuma pouco, porque o ar rarefeito mal dá para acender um cigarro…)

A antiga capital do império Inca é hoje uma cidade dividida. Uma metade está destinada aos turistas ocidentais, com lojas sofisticadas, restaurantes caros, hotéis de charme, programas de caminhadas pelo vale sagrado. A outra metade, peruana e quechua, é a dos mercados, dos vendedores ambulantes, do chinfrim das buzinas, dos tubos de escape a pedir reciclagem, dos bairros pobres galgando os morros. A nível oficial a fronteira está bem vincada, com os turistas estrangeiros a pagarem mais pelo acesso aos museus e sítios arqueológicos. Mas, aos poucos, vai-se aprendendo a contornar esta dualidade e a sentir mais de perto o pulsar da vida local. A tarefa é facilitada pelo facto de tudo depender, em maior ou menor grau, da própria indústria turística, havendo diversos serviços alternativos à disposição do viajante.

As ruínas da fortaleza de Sacsayhuamán, num ponto mais elevado à saída da cidade (3700 m), são um exemplo do notável trabalho de cantaria inca, com grandes blocos diorito impecavelmente talhados e boleados, dando a impressão de serem feitos de borracha. Várias peças curiosas no Museu Inca e no Museu Histórico Regional, destacando-se as múmias em posição fetal, algumas delas inseridas em grandes vasos funerários. O ouro, esse, desapareceu quase todo…

Ollantaytambo

A cerca de oitenta quilómetros a noroeste de Cusco, viagem num táxi colectivo através do vale sagrado. Região seca e com temperaturas amenas, onde, segundo se diz, é raro nevar. O recinto arqueológico de Ollantaytambo é amplo e, sob vários aspectos, mais admirável que o de Sacsay Huamán. Não porque o trabalho da pedra seja melhor, mas porque há mais coisas para ver: casas e templos, sobretudo, mas também escadarias, pequenas pontes e condutas de água. No regresso, ainda houve tempo para visitar as intrigantes ruínas de Moray, uma série de socalcos que começam por ter a forma de um anfiteatro e depois, na parte mais funda, mergulham na terra criando um estranho poço de círculos concêntricos. Admite-se ter sido uma estufa ou um laboratório de agricultura. É um local recôndito e, por isso mesmo, quase deserto.

Machu Picchu

Retrato em negativo: o custo total da visita, incluindo viagem de comboio de Poroy a Águas Calientes, transportes adicionais e ingressos, rondará os 170 euros por pessoa (mas é possível reduzir, se se optar por apanhar o comboio em Ollantaytambo); e as hordas de turistas abundam, mesmo em época baixa (embora o local comece a esvaziar a partir das três da tarde). Depois de Ollantaytambo, os carris acompanham o curso do rio Urubamba. Os cactos e eucaliptos desaparecem, a vegetação torna-se mais densa, surgem grandes fetos e árvores frondosas, das quais pendem umas coisas parecidas com lianas, prenunciando a selva amazónica. Apesar de localizado a 2900 metros de altitude, o sítio arqueológico de Machu Picchu está já numa zona húmida. Toda a orografia circundante é esmagadora, com uma primeira linha formada por morros afilados do tipo Pão de Açúcar e uma retaguarda composta por cumes ainda mais altos, imersos nas nuvens. O horizonte é relativamente estreito: para onde quer que se olhe, não se deverá alcançar mais do que quinze ou vinte quilómetros. Mas o céu é imenso e multiforme, abrindo inúmeras perspectivas. As ruínas propriamente ditas constituem uma camada recente que dá a esta fantástica construção natural o seu último retoque, transformando um produto do acaso num projecto.

Daniel Lopes (texto e desenhos)

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Fotografias de Ana Magalhães

13 de Dezembro de 2011

Confesso que a caneta de desenhar me tem pesado nas mãos, e as inúmeras tarefas burocráticas que temos sido chamados a cumprir em tão poucos dias também não foram propriamente inspiradoras. Por isso recorro ao texto para vos deixar algumas primeiras impressões, necessariamente incompletas e provavelmente enganadoras, mas seguindo de perto uma sugestão de Lévi-Strauss, para quem os relances passageiros de uma cidade ou região constituíam um bom exercício da atenção, permitindo até apreender aspectos relevantes da realidade observada que poderiam não se desvendar facilmente com permanências mais prolongadas.

Buenos Aires
À primeira vista, uma eminente capital cultural, recheada de livrarias, de teatros e grandes cafés. Na emblemática Avenida 9 de Julho, uma fotografia gigantesca de Ernesto Sábato (recentemente falecido) cobrindo todo um edifício e sem qualquer legenda. Na Avenida Corrientes, um painel da Associación de Artistas de Banda Dibujada. Nas bancas dos quiosques, para além dos jornais, das revistas cor-de-rosa, da pornografia (incluindo muita pornografia gay), brochuras de psicologia, romances de George Orwell e, inclusivamente, ensaios de Michel Foucault (Vigilar y Castigar, Historia de la Sexualidad). É caso para dizer ― recordando o comentário de Eduardo Prado Coelho a propósito daquelas senhoras que, na noite de Paris, frequentavam certos parques onde podiam experimentar o gangbang ― que ainda não atingimos este patamar civilizacional…

Santiago
Comparando com a zona de Buenos Aires, o Chile parece mais seco, vêem-se mais palmeiras e cactos. As ruas de Santiago são largas, algumas delas reservadas ao trânsito pedonal e, mesmo assim, estão a abarrotar. Muitos grupos caminhando, muita venda ambulante, muita azáfama, em suma, um bom local para o homem da multidão de Poe. O Rio Mapocho, nesta época do ano, é simplesmente um eflúvio de água castanha. Na margem norte, o mercado central e, continuando para oriente, a zona boémia da Belavista, onde as casas, quase todas térreas, aparecem decoradas com grafitti e pinturas. É neste ponto que a imensa metrópole assume o aspecto de uma vila atravessada por uma estrada nacional. Do cimo do morro de San Cristóbal, a vista panorâmica para recordar, com smog.

Valparaíso
Consta que Hugo Pratt, que fez do Pacífico a personagem central de uma das suas melhores histórias, apenas vislumbrou esse oceano a partir daqui. Várias colinas forradas com casas coloridas, às quais se acede através dos famosos ascensores que, no entanto, praticamente deixaram de funcionar: chegaram a ser trinta e três, há cinco anos seriam ainda uns doze, hoje já só dois se mantêm activos. Óptima vista para a baía, mas com o Pacífico ensombrado por alguns vasos de guerra. Tomámos um colectivo, atravessámos Vina del Mar (muito parecido com Estoril-Cascais) e continuámos até à zona mais remota e menos urbanizada de Concón, onde visitámos a praia de La Boca (uma espécie de Guincho, com ondas altas e surfistas e tudo).

Daniel Lopes

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José Luis Romo. México soy, 1992.

A memória é, em parte, um sonho cristalizado no espaço pois o seu tempo mantém-se em suspensão permanente, sempre que as suas imagens evocativas são chamadas à presença da consciência do presente. Ela não vive de imagens nebulosas mas da afirmação dos detalhes que, juntos, constituem um tempo afectivo e de certa maneira caduco; pois estes tendem a esbater-se com o risco de se transformarem em fragmentos de particularidades semióticas. Antes que tal aconteça, recordo uma viagem de fim de semana, saindo sozinho da cidade do México em direcção ao estado de Veracruz. Os autocarros de longo curso no México são excelentes, confortável e seguro admiro a paisagem, com Teotihuacan ao longe à medida que nos dirigimos para norte e o planalto vai sendo substituído por altas montanhas. Para mim, o único senão são os filmes que as transportadoras passam nos inúmeros ecrãs que distraem os passageiros. E é pena, pois as paisagens montanhosas são surpreendentes, cobertas de névoas, por entre os aguaceiros e a densa vegetação. Ainda mais para norte e o sol impõe-se rasgando as nuvens, onde bem alto vejo inúmeras aves, de porte médio, planarem  sobre os caminhos. Sinto a frescura do ar condicionado e imagino que no exterior a temperatura deve ser baixa, pois o tempo apresenta-se cinzento. Numa breve paragem, esta impressão é contrariada pelo intenso calor abafado que se faz sentir, enquanto fumo um cigarro.

Diego Rivera. Cultura Totonaca – pormenor – 1950.

São cerca de 3 a 4 horas de viagem até chegar a Papantla. A pequena cidade aninha-se em V nas encostas íngremes da Sierra Madre Oriental. Papantla é um dos poucos centros que sobrevivem da cultura Totonaca. Conquistados pelos poderosos Mexica, por volta de 1450, os Totonacas depressa se vingaram ajudando Cortês a esmagar o “império” Tenochca no século XVI. Na moderna Papantla, indígenas descalços vestidos de branco partilham a praça com os adolescentes tatuados. Rituais Totonacas persistem no voo dos voladores, uma impressionante cerimónia acrobática em tempos repleta de significado religioso; agora apenas executada aos fins de semana para o prazer dos turistas. Está um calor asfixiante e o dia está a chegar ao fim. Tomo um duche e mal saio da banheira estou a pingar suor por todos os poros. A luz do fim da tarde acentua a sensação de irrealidade em sonho onírico. As ruas são íngremes e pela noite estão repletas de transeuntes, com muita animação na praça principal. Misturo os acordes desprendidos da banda que toca no coreto com as cervejas Negro Modelo, que vou bebendo no salão do restaurante que se abre imenso para a rua. É um tempo de sonho e de paixão na minha vida. Tudo parece fluir numa rodagem desprendida e simultaneamente disponível. Mas não é um tempo romântico e quase não dormi de noite, com o calor, o barulho dos automóveis e a enorme ventoinha de tecto ligada todo o tempo. Papantla é uma boa base para explorar El Tajin, as ruínas arqueológicas que eu procurava, a sul da cidade. Assim, no dia seguinte, apanhei a pequena camioneta que perfaz estreitos caminhos por entre a serra até apanhar a estrada maior que, bem cedo pela manhã, deixa os seus poucos passageiros ás portas do recinto histórico.

Foi no primeiro século, antes da nossa era, que começou a edificação da grande cidade clássica de Tajin, no centro de Veracruz. O povo que a construiu seria aparentado dos Huaxtecas – querendo dizer que teriam definitivamente longínquas origens Maias – e que teriam chegado há muitos séculos aos territórios da Costa do Golfo. El Tajin significa em Totonaca «o relâmpago», «o raio» ou «o tornado». O Deus que aqui era venerado reinava sobre o furacão, chamando-se: Hurakan. A grande arquitectura começou com a construção de pirâmides, em particular com a principal de entre estas, nesta fase desprovida dos nichos que lhe dariam, mais tarde, o nome. O seu primeiro estado remonta a 300 da nossa era. O desenvolvimento da cidade acelera-se entre 400 e 800 – época em que a sua superfície totalizava cerca de 10 Km quadrados – fase que se classifica como o apogeu clássico de Tajin. Parece que no século IX, por volta de 818, uma vaga de invasores Totonacas penetrou em Veracruz, onde se estabeleceram. Os Totonacas vão habitar a cidade que parece conhecer um eclipse temporário. Dois séculos mais tarde, pelo ano 1000, será a vez dos Toltecas irromperem em Tajin. Com efeito, é deste período totonaco-tolteca que datam as realizações do Pequeno Tajin – em particular o batimento das Colunas – assim como os baixos relevos do jogo da pelota sul. Depois de dois séculos de apoteose – pode-se falar de uma renascença Tolteca em Tajin, como em Chichén Itzá – a cidade sucumbe a uma invasão bárbara. Ela será então incendiada por volta de 1230 e abandonada definitivamente.

A Pirâmide dos Nichos, ao fundo, vista da praça central de El Tajin.

A Pirâmide dos Nichos.

El Tajin tomba então no esquecimento e não tarda a ser coberta pela selva que esconde as suas ruínas, sobrepostas por sob um espesso manto de vegetação. Os invasores espanhóis ignoravam a sua existência e terá que se esperar até 1885 para que administradores espanhóis descubram a famosa Pirâmide dos Nichos que sozinha apresentava ainda formas reconhecíveis sob as lianas e os troncos que a envolviam. Quando se entra na praça principal desta cidade, observam-se uma série de edifícios circundando um grande adoratório quadrado. De todos os lados, mantém-se erguido este sonho hierático que um dia os homens construíram; pirâmides, plataformas e santuários. Olhando as altas montanhas que circundam todo o espaço do recinto, consegue-se compreender o porquê destas montanhas míticas formuladas por mãos humanas. Só que aqui o espaço é geometrizado e as “montanhas” predispostas de forma organizada e não telúrica. Quase todos os edifícios comportam os motivos característicos dos nichos quadrados formando, uns ao lado dos outros, verdadeiros frisos com ressonância de ritmos percurssivos. A Pirâmide dos Nichos apresenta 365 aberturas o que se trata indubitavelmente de um simbolismo relacionado com o numero de dias do ano solar. Se acrescentarmos as duas séries de 13 gregas escalonadas que bordam as rampas dos degraus, figurando os nomes dos “meses” de 20 dias do ano sagrado mexicano, poderemos inferir que os arquitectos de Tajin concretizaram uma conjugação de noções fundadas no calendário para edificarem a Pirâmide dos Nichos.

Um dos muitos campos de jogo de bola de El Tajin.

Destaca-se também, nesta antiga cidade, uma grande profusão de campos de jogo de bola, “desporto” sagrado dos povos Pré-Colombianos que os Mexica denominavam de tlaxtli. Em Tajin, a grande maioria dos campos deste jogo não têm a forma característica de um I, sendo apenas um campo rectangular ladeado por estruturas de pedra. Sem apresentarem o dispositivo de anel, nas paredes laterais, por onde a bola deveria passar. Ignora-se as regras deste jogo na cidade de El Tajin, apenas os baixos relevos pós-clássicos nos aportam registos sobre as implicações culturais deste jogo. Eles podem clarificar, com efeito, qual era o uso de certos acessórios que as esculturas emblemáticas reproduzem. Trata-se particularmente das famosas «fivelas» em forma de U, das «hachas» (máscaras finas de pedra) e das «palmas»; objectos que permaneceram por muito tempo misteriosos. As «fivelas» eram provavelmente feitas de madeira, fixadas em torno da cintura e teriam um papel «deflector» da bola e simultaneamente de protecção. De referir que estas bolas de borracha (material desconhecido no Velho Mundo) atingiam vários quilogramas de peso e poderiam ser impulsionadas a grande velocidade. Quanto ás «palmas», elas possivelmente serviriam para parar ou relançar a bola, mostrando-se a sua disposição nos baixos relevos do campo sul de Tajin. Quanto ás «hachas», a sua função não está ainda completamente elucidada.

O célebre baixo relevo do sacrifício humano, figurando no grande campo de jogo de bola meridional de Tajin. Esta cena é um exemplo típico da arte pós-clássica de Veracruz, datando da renascença Tolteca, situada entre os séculos XI e XII da nossa era.

O que se pode depreender do conjunto dos baixos relevos de El Tajin é que o jogo de bola poderia ser acompanhado, em caso de grandes cerimónias, com a morte de um dos seus protagonistas. Este era sacrificado solenemente pela extracção do coração (ou decapitação), como se pode ver no baixo relevo nordeste do campo maior de Tajin. De facto, os sacrifícios humanos eram destinados a regenerar as forças divinas e, em particular, a conferir ao solo a força que lhe permitia prosseguir o seu ciclo diurno; após ter sido sombreado no mundo inferior da noite. Esta associação do jogo de bola com o movimento solar é uma constante nas culturas Pré-Colombianas. Com efeito, não é evidente que o vencedor do jogo seria poupado aos deuses, como nos pereceria normal conceber segundo uma óptica moderna. Isso seria não ter em conta a mentalidade muito particular de populações profundamente místicas – verdadeiramente reverentes aos deuses – que viviam no mundo mesoamericano, muito especialmente no México. Poder-se-ia avançar várias razões para dizer que era o vencedor que “merecia” a morte, graças à qual ele acederia ao universo dos deuses. Nessa perspectiva, ele combateria até ás suas ultimas energias para poder subir à pedra sacrificial. Até porque, ao sacrificado, é assegurado o acesso ao panteão divino. De qualquer forma, é conhecido o espírito de auto-sacrifício próprio das populações indígenas. E mesmo na época actual temos o testemunho, tanto de macerações de peregrinos à Virgem de Guadalupe, como dos candidatos que disputam a honra de representar o papel de Cristo nas festas comemorativas da Paixão; onde a crucificação não é somente simbólica e se pratica com a ajuda de grossos pregos perfurantes espetados na palma das mãos…

Fotografia de Mireille Vautier. Os voladores. Esta foi a primeira cerimónia interdita pelos invasores espanhóis que a consideravam perigosa. Ela evoca o ciclo sagrado de 52 anos das civilizações Pré-Colombianas.

Mas neste sonho, dentro desse outro construído (e reconstruído) pelas mãos dos homens, ficaram os campos dos jogos para trás. No extremo norte deste recinto arqueológico encontra-se uma estrutura em forma de uma grega escalonada gigante (o termo deste padrão em língua nahuatle é Xicalcoliuhqui), perdendo-se parte desta construção por entre a vegetação em redor que vai cobrindo o espaço montanhoso. O calor agora é novamente sufocante e paro à sombra das árvores, esperando que o suor deixe de escorrer. Sou então submerso pela imensidão dos sons penetrantes e harmoniosos de aves que nunca antes tivera a oportunidade de escutar. Sons de uma beleza profunda e delirante pelo seu exotismo, ao que me deixo render de olhos fechados e sentidos desprendidos. Depois é o retorno a Papantla, onde almoço na varanda de um restaurante, enquanto observo o ritual dos voladores que sobem ao altíssimo poste. No topo esperam sentados numa ténue estrutura quadrada, giratória, enquanto um deles toca a sua flauta, de pé, marcando simultaneamente o ritmo num minúsculo tambor. Depois os homens largam-se de cabeça para baixo, apenas atados pelos pés, rodando e descendo à medida que as cordas se vão desenrolando, com o musico a marcar o ritmo. A realidade não existe. O mundo é um sonho de memórias cristalizadas e o tempo mantém-se em suspensão permanente.

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