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Posts Tagged ‘Ecologia’

ANIMAIS

Dorme-se e a noite é velada pela entropia recordando, num vago tumulto, a diluição permanente dos instantes permitindo as lacunas por onde entram cidades a instigar toda a capacidade dos excedentes, da sensação.

Não me venhas com marfim, o aumento e o bem-estar da tua espécie não permite que a minha possa continuar a viver.

Não me venhas com especialidades gastronómicas, o aumento e o bem-estar da tua espécie não permite que a minha possa continuar a viver.

Não me venhas com afrodisíacos, o aumento e o bem-estar da tua espécie não permite que a minha possa continuar a viver.

Não me venhas matar à paulada por causa da minha pele, o aumento e o bem-estar da tua espécie não permite que a minha possa continuar a viver.

Não me venhas caçar, o aumento e o bem-estar da tua espécie não permite que a minha possa continuar a viver.

Não me venhas tirar a pele, os ossos; pois o aumento e o bem-estar da tua espécie não permite que a minha possa continuar a viver.

 

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CONTAGEM DO TEMPO

Ombú de Pedro Figari. Óleo sobre cartão. Uruguai.

E entramos no ano novo sem esquecer as muitas vidas queimadas, as árvores, a terra violentada durante o ano anterior pelas alterações impostas por uma inteligência produtiva, sem capacidade de sentir a riqueza da vida no seu interior mais profundo. Amâgo que as capacidades intelectuais não conseguem ver pois o deslumbre e a distracção são os vícios de uma tecnologia confortável. Ouvimos dizer: «isto podia ser tão bom para toda a gente.» No fundo trata-se de um enunciado egoísta que envolve o facto de quem o diz se sentir mal com o que tem. Os outros, sejam seres sencientes ou passivos, estão lá para justificarem as necessidades morais e materiais do indivíduo: «não tenho o que preciso, preciso do que não tenho e a que acho que tenho direito.» Indignado, o corpo social do meio, esquece os que não têm margem para se manifestar porque apenas sobrevivem. O “eu”, da vivência ou das ideologias, ainda não acordou para reconhecer que apenas é o que critica nos outros. A orquestra continua a entoar as suas notas flutuantes, no palco do salão de festas, enquanto o Titanic se afunda arrastando os múltiplos acontecimentos numa gesta em fragmentação.

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AS PLANTAS

 

 

«A Botânica é o estudo apropriado para um solitário ocioso e preguiçoso: um estilete e uma lupa constituem todo o equipamento de que precisa para as observar. Passeia, vagueia livremente de um objecto para outro, analisa cada flor com interesse e curiosidade e, logo que começa a aprender as leis da sua estrutura, saboreia, ao observá-las, um prazer sem esforço, tão intenso como se lhe tivesse custado muito. Há nessa ocupação um encanto que só se sente quando todas as paixões se acalmam, mas que basta para tornar a vida feliz e amena; porém, mal a ele se mistura o interesse ou a vaidade, quer seja para ocupar um lugar quer para fazer livros, mal se queira aprender só para ensinar, mal se começa a colher plantas para se passar a ser autor ou professor, todo esse doce encanto se desvanece, já não se vê nas plantas senão instrumentos das nossas paixões, já não se descobre nenhum prazer verdadeiro no seu estudo, já não se quer saber mas apenas mostrar que se sabe, e está-se nos bosques como se estaria no teatro do mundo, com a única preocupação de se ser admirado; ou então, limitando-nos, quando muito, à Botânica de gabinete e jardim, em vez de observarmos os vegetais na natureza, preocupamo-nos com sistemas e métodos, motivos eternos de discussão, que não dão a conhecer uma só planta a mais e não lançam qualquer luz verdadeira sobre a história natural e o reino vegetal. (…)

 

 

(…) Parece-me que, sob as sombras de uma floresta, sou esquecido, sinto-me livre e tranquilo, como se já não tivesse inimigos ou a folhagem me protegesse dos seus ataques, tal como os afasta da minha lembrança, e imagino, estultamente, que, não pensando neles, eles não pensarão em mim. É uma ilusão doce que a ela me entregaria inteiramente se a minha situação, a minha fraqueza e as minhas necessidades mo permitissem. Quanto mais profunda é a solidão em que vivo, mais necessito que algum objecto venha preencher o seu vazio, e aqueles que a minha imaginação recusa ou que a minha memória repele são substituídos pelas produções espontâneas que a terra, não forçada pelos homens, em toda a parte oferece aos meus olhos. O prazer de ir a um deserto procurar novas plantas ocultas, o prazer de escapar aos meus perseguidores, e quando chego a locais onde não vejo quaisquer vestígios de homens respiro, mais à vontade, como se estivesse num refúgio onde o ódio já não me perseguisse.»

 

Os devaneios do caminhante solitário. Jean-Jacques Rousseau.

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Observations of Climate Change from Indigenous Alaskans

Voando sobre Fish Lake. Mayoreak Ashoona, 1987.

Personal interviews with Alaska Natives in the Yukon River Basin
provide unique insights on climate change and its impacts, helping
develop adaptation strategies for these local communities.

The USGS coordinated interviews with Yup’ik hunters and elders in the
villages of St. Mary’s and Pitka’s Point, Alaska, to document their
observations of climate change. They expressed concerns ranging from
safety, such as unpredictable weather patterns and dangerous ice
conditions, to changes in plants and animals as well as decreased
availability of firewood.

“Many climate change studies are conducted on a large scale, and there
is a great deal of uncertainty regarding how climate change will
impact specific regions,” said USGS social scientist Nicole
Herman-Mercer. “This study helps address that uncertainty and really
understand climate change as a socioeconomic issue by talking directly
to those with traditional and personal environmental knowledge.”

By integrating scientific studies with indigenous observation, these
multiple forms of knowledge allow for a more comprehensive
understanding of the complex challenges posed by climate change. The
indigenous knowledge encompasses observations, lessons and stories
about the environment that have been handed down for generations,
providing a long history of environmental knowledge. These
observations can also help uncover new areas for scientists to study.

The Arctic and Subarctic are of particular interest because these high
latitudes are among the world’s first locations to begin experiencing
climate change.

Espíritos de Pássaros. Napachie Pootoogook, 1960.

The most common statement by interview participants was about warmer
temperature in recent years. It was observed to be warmer in all
seasons, though most notably in the winter months. In previous
generations, winter temperatures dropped to 40 degrees Celsius below
freezing, while in present times temperatures only reach 25 C or 30 C
below freezing. Moreover, in the rare case that temperatures did drop
as low as they had in the past, it was a brief cold spell, in contrast
to historic month-long cold spells.

The considerable thinning of ice on the Yukon and Andreafsky Rivers in
recent years was the topic of several interviews. Thin river ice is a
significant issue because winter travel is mainly achieved by using
the frozen rivers as a transportation route via snow machines or sled
dogs. Thinning ice shortens the winter travel season, making it more
difficult to trade goods between villages, visit friends and
relatives, or reach traditional hunting grounds. One interview
participant also discussed how the Andreafsky River, on whose banks
their village lies, no longer freezes in certain spots, and  several
people have drowned after falling through the resulting holes in the
ice.

The unpredictability of weather conditions was another issue of
concern, especially since these communities rely on activities such as
hunting, fishing and gathering wild foods for their way of life. One
does not want to “get caught out in the country” when the weather
suddenly changes.

Corvo de Shartoweetok. Mayoreak Ashoona, 1983.

Vegetation patterns were also observed to be shifting due to the
changes in seasonal weather patterns, and this leads to increased
difficulty in subsistence activities. Interviews showed the
unpredictability from year to year on whether vegetation, particularly
salmonberries, could be relied upon. Those interviewed spoke of a
change in the range of species of mammals (moose and beaver) as well
as a decrease in the number of some bird species (ptarmigan). This is
of special concern because of the important role these animals play in
the subsistence diets of Alaska Natives. Many also rely on hunting or
trapping for their livelihoods.

Participants also discussed lower spring snowmelt flows on the
Andreafsky and Yukon Rivers, meaning less logs are flowing down the
river. This hampers people’s ability to collect logs for firewood and
building materials, placing a strain on an already economically
depressed region through increased heating costs and reliance on
expensive fossil fuels.

An article on this topic was published in the journal, Human
Organization. The full article with additional quotes and observations
from indigenous people is available online.

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Todos sabemos que enquanto seres vivos participamos na Vida. Existimos. Temos como garantida a morte. Aliás, assim está escrito no arrumo que conseguimos fazer das pessoas que, já passaram pela vida. Normalmente temos uma data do ano de nascimento, um traçinho à frente (onde se contém a vida) e depois o ano da morte. Nesse traço entre o nascimento e a morte está, para cada um de nós,  que insistimos em andar por cá, a vida. E a vida tem em si a responsabilidade de viver com consciência.

Quando tivemos acesso a este documentário, vindo de um amigo, sentimos a brutalidade de uma verdade para a qual ninguém está preparado mas que nos diz respeito. Somos responsáveis por ela, pertencemos à raça humana. A que tem em si em potencial, a tal inteligência de construir artefactos que ao alterar a aceitação do mundo natural, deve obrigatoriamente tomar consciência da importância do desequilibro e da distorção que somos capazes de fazer em nome do comércio ou do prazer. A dor dos outros não pode ser aceitável,  seja qual for a finalidade. A cegueira perante os factos, existe por falta de informação, mas havendo acesso a ela já é uma opção. Se temos poder para construir, temos igualmente para destruir. Se fossem apenas jogos de construção que se erguessem e desabassem sem que para isso se fizessem o que julgo serem os piores holocaustos assistidos e permitidos, não estaria para aqui a escrever.

O convite que vos queriamos faze é brutal (não costumo usar esta palavra). Infelismente  este documentário (Earthlings) já não está on-line. Ele mostrava como os animais são tratados nas redes implacáveis dos matadoros. Agora, propomos que sintam a urgência de fazer do polegar oponível, e da suposta inteligência do ser humano, uma mudança de atitude profunda. Não é preciso que morra o sonho, ele pode ir ao encontro de assumir uma posição, acreditar em transformar o que nos dão diariamente como enraizado, justificável e mercantilmente necessário. Para quê, para quem, a que custo?

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Esta mostra reúne uma selecção de material de desenho, ilustração, fotografia, som, vídeo, música e texto produzido ao longo de duas semanas na Amazónia por uma equipa de 25 pessoas com formação em artes, ciências e humanidades. Uma viagem com muitos riscos, até de lápis, levada a cabo pelo Grupo do Risco.

Entre 26 de Dezembro de 2009 e 9 de Janeiro deste ano, ilustradores, fotógrafos, designers, médicos, professores e jornalistas registaram de forma livre e espontânea, dia e noite, as suas impressões acerca da Amazónia, ora a bordo do barco-residência Dorinha, em percursos exploratórios em canoas, ora em caminhadas pela floresta, nas margens do Rio Solimões e do Rio Negro.

A expedição Amazónia 2010 partiu ao encontro do ecossistema com maior biodiversidade na Terra: ali vivem 3000 espécies de peixes, 1500 aves e mais de 50 000 de plantas com flor. Os seus participantes foram inspirados pela Viagem Philosofica pelas Capitanias do Grão Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuyabá (1783-1792), então liderada por Alexandre Rodrigues Ferreira e que deu origem a uma intensa produção de desenhos científicos.

“Trabalhámos em cadernos de campo, de pé, em cima do joelho, em mesas improvisadas, com lápis e pincéis nas mochilas, lupas, binóculos, lanternas e cantil. Em grupo, por vezes sozinhos. […] A julgar pelos resultados, parece ninguém ter visto a mesma Amazónia, cada um desenhou a sua”, pode ler-se no catálogo da exposição, que estará à venda na loja do Pavilhão do Conhecimento.

A mostra é composta por cadernos de campo realizados no terreno pelos ilustradores, reproduções de uma selecção de desenhos, fotografias captadas por três fotógrafos e o projecto multimédia Amazónia 2010, produzido a partir de textos, imagens e sons do local e que será apresentado em formato digital (vídeo) com animação 2D e 3D e banda sonora de João Lucas.

http://www.vimeo.com/8883505

EXPEDIÇÃO AMAZÓNIA EXPOSIÇÃO estará patente ao público no Pavilhão do Conhecimento até 13 de Janeiro de 2011 e posteriormente disponível para itinerância.

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seattle-11

Sinto que existe em cada ser uma noite que reclama uma verdade profunda, um lugar de reencontro dentro de um tempo sem memória, onde o olhar se cruza com a consciência do mistério. Desenhar traz consigo também essa noite de silêncio que se estende por sobre folhas de papel, registando os afectos dos lugares que habitam o coração.

Desde muito cedo que o violento encontro entre o ocidente e o continente americano, ocupam um lugar destacado na minha consciência e reflexão social; eu próprio um espectador actuante de um presente que se desenrola sobre as teias do passado.

No final dos anos 80, saía um artigo de duas páginas, salvo erro no Diário de Notícias, sobre um aspecto dessa história sangrenta, decorrida nos Estados Unidos da América do Norte, onde se incluía um texto cujo teor  era atribuído ao “chefe” Seattle (Si’ahl ou Seathl) em resposta à proposta das autoridades Norte Americanas no sentido de adquirirem os territórios do líder nativo. O seu teor existencialista, de carácter ecológico, fez despoletar a necessidade de tornar esse texto numa narrativa gráfica.

No ano seguinte, iniciei uma colaboração com o fanzine Dossier Top Secret de Almada e, nessa altura, propus publicar uma versão a preto e branco dessa sequência, a que chamei simplesmente Seattle. Refiz então as 6 primeiras pranchas com uma técnica mista, para obter efeitos contrastantes a preto e branco quando estas pranchas fossem fotocopiadas; refazendo algumas vinhetas menos conseguidas, da primeira versão. São os originais dessa segunda versão que agora aparecem no site Quarto de Jade e, depois de fotocopiadas, serviram como base para a publicação no fanzine referido anteriormente. À excepção da nona prancha, que teve alguma intervenção sobre a fotocópia, todas as pranchas seguintes foram reproduzidas directamente dos originais. Nessa edição a inserção de texto foi realizada por mim de uma forma pouco cuidada e a qualidade final, das fotocópias do fanzine, era muito fraca. Por isso, foi com muita satisfação que em finais de 2008 surgiu a possibilidade de editar essa sequência agora a cores, na revista literária Letra en Ruta, publicada simultaneamente no México e nos Estados Unidos; apesar dos constrangimentos da paginação terem disperso a sequência, entre cortada por páginas de texto.

De forma um tanto inesperada, quando procurei a versão em Inglês do eloquente discurso do “chefe” Seattle na internet, deparei com várias informações, inicialmente surpreendentes, mas que no entanto trouxeram a veracidade da história de um texto, que é considerado por muitos ambientalistas como uma carta de princípios universais. O facto é que em relação ao discurso proferido pelo “chefe” Seattle, em Janeiro de 1854, não existe qualquer transcrição literal; havendo sim quatro versões, em segunda mão, das quais a primeira aparece no Seattle Sunday Star, em 29 de Outubro de 1887, numa coluna da autoria do Dr. Henry A. Smith. Nesta, o autor torna muito claro que a sua versão não é uma cópia exacta, mas o melhor que ele conseguiu reunir, a partir das notas que terá tirado na altura. Existe a duvida, quanto ao argumento histórico, acerca de qual dialecto nativo se exprimia o “chefe” Seattle, Duwamish ou Suquamish? De qualquer forma, existe um consenso de que as declarações foram traduzidas, já que o “chefe” Seathl nunca aprendeu a falar Inglês.

Esta versão está publicada em língua Portuguesa, num pequeno livro, pela Casa do Sul Editora, com o título: «A Noite do Índio». Edição essa acompanhada de breves notas sobre o contexto e outras versões do famoso “discurso”. No entanto, deva-se referir que esta tradução não faz justiça completa ao texto original, tanto na sua forma como inclusivamente no seu conteúdo. Faltando-lhe particularmente rigor na transcrição coloquial levando a algumas interpretações lacónicas ou acrescentos omissos no texto original. Sendo que a alteração mais relevante é a transformação radical do final do texto, subvertendo definitivamente o sentido do mesmo, num momento decisivo. Uma tradução deste “discurso” pode ser também encontrada no livro «O Sopro das Vozes», editado pela Assírio & Alvim. Só que aqui, infelizmente, trata-se de um resumo dos momentos que o tradutor elegeu como os mais significativos e não o texto na sua versão integral. A versão em inglês pode ser consultada no site da tribo Suquamish: http://www.suquamish.nsn.us

A tribo Duwamish faz parte da população Nativa Americana do oeste do Estado de Washington e são o povo indígena da Seattle metropolitana. Os Suquamish são um povo do sul da Salish Coast, etnicamente relacionados com os Duwamish. Os Suquamish falam um dialecto de Lushootseed, que pertence à família linguística Salishan. Como muitas das tribos da Costa Noroeste, os Suquamish dependem da pesca de rios locais e construíam longas casas de madeira para se protegerem, nos húmidos Invernos, a oeste das Montanhas Cascade. Estando por isso mais próximos, culturalmente, das tribos do Pacífico Norte, do que das etnias das planícies, tal como eu interpretei a partir do artigo que li no Diário de Notícias. Apesar dos povos de Puget Sound Salish não estarem organizados acima do nível de aldeias individuais, os Suquamish tinham uma localização central em Puget Sound e dois membros desta tribo vieram a ser reconhecidos, pela região, como grandes líderes. Um foi Kitsap, que liderou uma coligação de tribos de Puget Sound contra tribos Cowichan da Ilha de Vancouver por volta de 1825. Outro foi Seathl, filho de Schweabe, que foi um grande orador pacifista durante os tempos turbulentos do século XIX. Apesar de ambos serem referidos como “chefe”, esta é uma atribuição ocidental; tal designação não era usada pelos Índios de Puget Sound.

A segunda versão existente da oratória de Seattle foi escrita pelo académico William Arrowsmith, em finais dos anos 60. Esta foi uma tentativa de colocar o texto segundo padrões de discurso corrente, em vez do estilo vitoriano do Dr. Smith.

A terceira versão é a mais conhecida de todas, sendo aquela a que tive acesso, através do artigo publicado no Diário de Notícias, e a partir da qual realizei a primeira versão da narrativa gráfica Seattle. Na realidade, esta versão foi escrita pelo professor Texano Ted Perry, como parte de um argumento cinematográfico. Os produtores do filme usaram de alguma liberdade literária, alterando o discurso (só 10% do texto “original” foi usado e algumas passagens foram proferidas com um sentido diametralmente oposto) fazendo dele uma carta ao presidente Franklin Pierce, que tem sido reeditada com frequência. Nunca tal carta existiu ou foi alguma vez escrita pelo, ou a partir, do “chefe” Seattle.

A quarta versão apareceu numa exposição durante a Expo’74 em Spokane, Washington e é uma curta edição do argumento cinematográfico do Dr. Perry.

Segundo Jerry L. Clark, que integra a equipa dos Arquivos Nacionais Norte Americanos, não existe qualquer prova histórica do discurso, referindo inclusivamente com bases documentais, as sérias dúvidas acerca da precisão das reminiscências do Dr. Smith em 1887, trinta e dois anos após o alegado episódio, retirando-lhe pois qualquer força moral ou validade. Baseando-se nos pressupostos dos registos burocráticos da história, nomeadamente daquela que é determinada por funcionários administrativos, das nações que se impõem como vencedoras.

Civilização é sobretudo uma questão de imposição linguística e territorial, não sendo de surpreender que quem conta a história são os vencedores dos conflitos. A relevância dos factos não estará tanto se hoje em dia fará alguma diferença o discurso em questão ter sido originado pelo “chefe” Seattle em 1854, ou com o Dr. Smith em 1887. Talvez que o fundamental seja o reconhecimento de uma constatação profunda que não depende de indivíduos específicos ou dos arquivos que registam os protocolos da civilização.

Mas de todas estas constatações não se diluiu o impulso que me fez realizar esta banda desenhada. Matéria activa e transformadora, o potencial deste discurso encontrou um novo eco ao despoletar um trabalho conjunto com a Maria João Worm, no sentido de trabalharmos uma versão do “discurso” de Seattle; agora numa sequência em que desenhos a lápis serão posteriormente trabalhados em linogravura, a preto e branco. Digamos que esta é uma semente inicial que há muito germinava, numa procura de tornar expressão visual uma narrativa baseada em textos dos povos nativos da América do Norte. Trabalhamos assim pensando num projecto maior que encerra, num livro de banda desenhada, uma Planície Pintada. Nesta, quatro histórias assumindo um número de referência para estas culturas, envolvendo aspectos da sua mitologia, um sonho ou uma história do quoatidiano ao “discurso” de Seathl elaborado pelo Dr. Smith. Planície Pintada é também uma espécie de narrativa semiótica, num estado muito próximo ao da tradição oral, que procura unir o sentido profundo que carrega, num tempo e espaço particular, tendendo para uma expressão de espírito universal. Talvez que essa seja a verdadeira História, aquela que percorre o tempo da memória e se vai recriando em continuidade.

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